¿ o que nos resta ?

... um mundo vigilante, no qual mesmo em silêncio é preciso saber o que dizer.

novembro 30, 2009

Tarso, o Genro do Brasil

3 ruídos
Se eu fosse um desses típicos pais de família da classe alta paulistana, falso moralista disfarçado de falso liberal, e tivesse uma filha que, apesar de já haver entrado na idade sexualmente ativa, ainda tentasse manter algo daquela áurea de princesinha do papai, e viesse com um papo do tipo "paiê, você acha que eu dou prá sair com político", eu certamente responderia: "olha, filha, você sabe que você pode dar pro que você quiser, sempre que acredite poder gozar dessas suas escolhas, mas claro que, dependendo do político, isso pode acabar dando errado":

- Por que, papai?

- Se você acha que o futebol é a coisa mais chata que pode desviar a atenção de um homem praquilo que realmente te interessa, já te aviso que existe coisa muito pior.

- Por que, papai?

- Porque a política é um saco! Se bem que os políticos são como astros de rock: nos palcos são deuses, mas dos camarins em diante são podres. E aí, quem perde é você e a Justiça.
- Por que, papai?

- Prá Justiça, porque se correr não há certeza de que o bicho pega, e prá você, porque se ficar não há certeza de que o bicho come.

- Mas você acha que eu poderia ser feliz ao lado de um político? Sei lá, quem sabe um que fosse mais certinho, perfil mais responsável, burocrático...

- Submisso, você diz?

- E se ele fosse daqueles que me enchesse de presentes todos os dias? Seria tão meigo...

- É, geralmente quando compra muitos presentes é prá compensar outras faltas.

- E se ele fosse acreditasse em tudo o que eu falo sem questionar nada? Será que existe um homem tão bom assim?

- Seria um bom lugar prá pendurar um par de chifres.

- Ainda mais se ele passa o dia ocupado com sua agenda política, porquê assim eu também tenho tempo de tocar minha vida de forma independente, ver os meus amigos...

- Então, chifres...

- E não deixaria de ser um homem com quem eu talvez possa ter um projeto de vida.

- Mais ou menos como o da Miriam Dutra, por exemplo.

- Enfim, pai, você acha que eu devo entrar nessa?

- Você é quem sabe, minha filha, eu só peço prá você ter cuidado, sempre!

- Eu conheci um cara ontem, ele é mais velho, mas é galã, estilo Carlos Vereza, sabe? Homem do Sul, mas mora lá em Brasília. Tem cara de almofadinha, mas é tão bonzinho!!

- Aliás, a melhor parte é essa: ele é bonzinho!!

- O nome dele é Tarso, parece que trabalha no Ministério da Justiça, ou da Educação, não lembro direito... ah, nem interessa.

- Claro que não! Por sinal, você viu se eu deixei as chaves na porta do lado de dentro ou do lado de fora? Ah, esquece, nem interessa também!

- Enfim, você aprova, então?

- Claro que sim! Por sinal, você acha que eu devo usar meu uniforme, digo, minha fantasia da Ku Kux Klan no próximo Baile do Vermelho e Preto?

- Obrigada, papai! Você é o melhor pai do mundo, sabia?

- Ô se sei, é o que me resta...

... o resto é silêncio!

novembro 11, 2009

Sampauleganistão

10 ruídos
Somente a luz do saber é capaz de evitar a barbárie no meio acadêmico, quando o ingresso de uma jovem exibindo suas voluptuosas pernas em direção ao banheiro desperta o furor adolescente e causa rebuliço numa universidade em Sampauleganistão.

Tanta carne humana exposta afetou os estudantes que tentavam se concentrar em suas tarefas - e eles não tiveram outra escolha senão abandonar os livros prá acompanhar aquele atentado contra a saúde pública, causador de uma revolução hormonal sem precedentes.

A moça piorava a situação, agregando sedução a cada passo. Grupos de admiradores e detratores equiparavam desejos de amor e ódio sob o signo da violência, e formaram uma multidão que configurava o maior caso de assédio sexual massivo da história. Uma única moça seduzindo setecentas pessoas, entre homens e mulheres.

Predominaram, na multidão, os valores éticos e morais, que provocaram uma reação coletiva em defesa do ambiente escolar, através da única forma civilizada de se por fim àquela balbúrdia: o linchamento!

Faltaram as pedras, sobraram os palavrões, e alguns braços que, dissumulando a indignação dos protestantes, se assomavam tentando um beliscãozinho na coxa, uma apalpada, uma foto ou vídeo entre pernas prá guardar de troféu-recordação no celular.

Não ficou claro se a intervenção policial evitou um espancamento ou um estupro, mas a eficaz sindicância realizada pela universidade encontrou depoimentos de espipiões (observadores que controlam o percurso dos estudantes ao banheiro, evitando assim que as necessidades fisiológicas colaborem com a evasão escolar) que asseguraram que a jovem realizou um persurso maior que o normal em sua ida ao banheiro, e que esse equívoco teria desencadeado tudo.

Portanto, a atitude despudorada da vítima a transformou em única responsável do seu próprio infortúnio.

Diante dessas evidências, não cabia outra decisão senão a de expulsar a moça do quadro discente da universidade, o que depois foi revogado devido da condenação quase unânime da imprensa marrom nacional e internacional - por exemplo, essa crítica publicada num diário do Paquistão (DO PAQUISTÃO!!!): http://www.apakistannews.com/geisy-arruda-photo-146166.

Somente a luz do saber não se apaga em Sampauleganistão...

... o resto é silêncio!

outubro 29, 2009

Mérito Crasso

8 ruídos
Um dos mais pomposos jornais brasileiros multiplica milhares de vezes, em seu parque gráfico, uma página onde se lê um editorial que, usando termos como "bolsa vagabundagem" e "agriencosto familiar", critica o exagerado assistencialismo do atual governo, numa tentativa de reforçar a meritocracia como ferramenta inalienável da verdadeira justiça social.

Nem todas essas páginas terão a mesma sorte. Muitas chegarão antes do meio dia aos escritórios centrais do empresariado paulistano. Outras passarão o dia com seus exemplares pendurados nas bancas de jornais - e ai daqueles que forem pendurados no Tatuapé, onde a sorte não será a mesma dos pendurados em Pinheiros.

Apesar da grande tiragem do jornal, o editorial na segunda página está condenado a um quase anônimo sucesso. Pouquíssimos o lerão, mas o farão com um regozijo impressionante. O banqueiro ligará pro seu irmão assessor do senador. O senador enviará um torpedo ao seu primo executivo da montadora. O cêeô da montadora pedirá à sua secretária enviar o editorial por fax ao seu sobrinho advogado do banco. Um mundo de recomendações cruzadas, onde todos comentarão o retorno de volares tradicionais, como a conquista pelo esforço do trabalho, a meritocracia como condição sine qua non.


A maioria dos editoriais não lidos, e inclusive alguns lidos, terminarão na feira, nas mãos de embrulhadores de verduras, frutas e caixas de ovos. Na feira não existe meritocracia, os consumidores escolhem geralmente os produtos mais bonitos e visualmente mais apetecíveis, e não aqueles que se esforçaram mais pela oportunidade de estarem ali, naquela inerte luta por se destacar.

Terminada a feira, vendoredores e compradores voltarão prás suas respectivas casas, onde seguirão tentando se destacar na sociedade pela inércia de suas vidas cotidianas, desperdiçando inúmeras chances de melhorar de vida - chances essas que foram devidamente aproveitadas pelo irmão do banqueiro, pelo primo do senador e pelo sobrinho do cêeô da montadora, por exemplo.

Nenhum editorial de nenhum jornal brasileiro, pomposo ou não, reconhecerá a pertinencia da inércia da vida cotidiana, mesmo sabendo o destino feirante da maioria das páginas impressas em seus parques gráficos...

... o resto é silêncio!

outubro 21, 2009

Silva Não Quer Ser Racista

13 ruídos
Quando a novela das oito mostra uma personagem coadjuvante negra defendendo a tese de que não existe racismo no Brasil, cercada por protagonistas brancas, Silva desliga a televisão e reflete alguns segundos sobre o tema. Volta a ligá-la e aparece um reclame das Casas Bahia protagonizado por Pelé. Eis aí um grande exemplo de que esse país não é racista: aqui o Rei é negro, e vive, entre outras coisa, de propagandear eletrodomésticos.

Ou será que a televisão estaria tentando lhe convencer? Justo ele? Por que?

Silva nunca pensou seriamente sobre se ele mesmo é ou não racista, menos ainda respeito à toda a sociedade. Aquilo o incomodava, queria ter uma opinião própria e não tragar em seco a opinião da tevê.

Termina a opereta e começa o telejornal, onde não há negros apresentadores, alguns negros repórteres sim, e muitos negros protagonizando os noticiários policial e esportivo. O bloco político também não mostra negros. Silva tenta recordar se já tivemos alguma vez um candidato negro à presidência da república. Talvez sim, mas ele não se lembra, e novamente desliga a tevê.

Mas Silva é teimoso e liga de novo, justo no momento em que dava uma reportagem sobre as universidades brasileiras e cotas prá estudantes negros.

Seria outra coincidência, e a prova cabal de que o brasileiro não é racista? Ou mais uma manobra do aparalho prá fazer ele e toda a classe média engolir a teoria de um Brasil sem racismo?

Prá terminar aquela briga com sua consciência, Silva define prá si mesmo que o Brasil é grande e tem gente de todo o tipo, racista e não racistas, como em todos os países. Ponto! Mas onde estão uns e outros? Qual é a predominância nos centros de poder? Não interessa! Já está tarde, é hora de dormir!

Antes de desligar, uma vinheta anuncia o carnaval com várias mulatas desconhecidas e algumas poucas brancas que figuraram nas capas da Playboy. Quantas negras foram capa da Playboy? Silva não sabe, e prefere a impressão de que pelo menos na vinheta elas são maioria.

Cansado do tema, busca o controle prá desligar definitivamente o aparelho, quando o boletim futebolístico mostra uma estranha (ou teria sido oportunista?) matéria lembrando os casos de brigas entre jogadores brasileiros e argentinos, enfatizando termos como "macaquitos", "negros de mierda", e por aí vai.

Click e boa noite! Silva vai prá cama mais aliviado, pois no final ele não deve ser mesmo racista, o país onde ele vive tampouco. Racistas são os argentinos!

Lhe resta apenas uma singela preocupação.

Silva quer parar de acreditar na televisão, mas não consegue...

... o resto é silêncio!


outubro 16, 2009

Soledad Maradona

7 ruídos
Dizia ser Vicky, mas na verdade se chamava Soledad, um nome quase autobiográfico.

Seguia triste e feia como um trapo sujo, pelas mais escuras ruas de San Telmo... Piedras, Calvo, Defensa e logo San Juan em direção ao Paseo Colón, envolvida pelo mais fantasmagórico que Buenos Aires pode oferecer numa noite.

Ou talvez não eram ruas tão desertas, ela é que era velha demais praquilo que se prestava. Ela é que era o fantasma em meio à indiferença geral prá com uma senhora que tratava de se oferecer e seduzir como uma garotinha.

Numa noite com vitória albiceleste, contra o histórico rival uruguayo e valendo vaga na Copa, os machos argentinos geralmente saiam a comemorar na rua com mulheres como ela. Mas aqueles eram outros tempos, ou essa seleção já não entusiasma a líbido portenha como as de antigamente. Ou ambas coisas!

Mais uma noite perdida, mais uma noite a dizer que ela precisava mudar de vida, ou simplesmente deixar de viver.

Mais uma noite em que tudo o que ela queria era um mísero cliente. Apenas um furibundo idiota que quisesse algo, ainda que fosse violento e asqueroso, ou uma rápida felação, qualquer coisa que lhe rendesse uns pesos a mais na bolsa.

Ao chegar num bar próximo Parque Lezama, viu na televisão um Maradona louco de euforia desafogar suas mágoas contra os jornalistas que o criticavam: "¡... que me la sigan chupando!".

Pensou naquela ironia e decidiu voltar prá casa pela última vez...

... o resto é silêncio!

outubro 07, 2009

Andiamo Via

8 ruídos
Anos se passaram, e eis que surge a nova jornada.

Uma vez mais tentarei a sorte no mundo dos blogues.

O tempo, minha paciência e a daqueles que por ventura venham a provar a sorte desse lado da rede dirão se essa será a estampa definitiva.

Relutei em entrar nessa onda, uma vez mais.

As boas experiências de amigos e uma necessidade quase fisiológica me fizeram, por fim, dar esse passo adiante.

Um passo rumo a não sei bem onde.

Talvez por isso sinta que dessa vez pode dar certo.

Sonho com uma audiência além do meu círculo de amizades, mas ficarei mais que satisfeito com somente poder me cercar das palavras dos amigos que estão longe...

... e o resto é silêncio!
 

¡ o resto é silêncio ! Desenhado por HARV © 2009