¿ o que nos resta ?

... um mundo vigilante, no qual mesmo em silêncio é preciso saber o que dizer.

outubro 29, 2009

Mérito Crasso

8 ruídos
Um dos mais pomposos jornais brasileiros multiplica milhares de vezes, em seu parque gráfico, uma página onde se lê um editorial que, usando termos como "bolsa vagabundagem" e "agriencosto familiar", critica o exagerado assistencialismo do atual governo, numa tentativa de reforçar a meritocracia como ferramenta inalienável da verdadeira justiça social.

Nem todas essas páginas terão a mesma sorte. Muitas chegarão antes do meio dia aos escritórios centrais do empresariado paulistano. Outras passarão o dia com seus exemplares pendurados nas bancas de jornais - e ai daqueles que forem pendurados no Tatuapé, onde a sorte não será a mesma dos pendurados em Pinheiros.

Apesar da grande tiragem do jornal, o editorial na segunda página está condenado a um quase anônimo sucesso. Pouquíssimos o lerão, mas o farão com um regozijo impressionante. O banqueiro ligará pro seu irmão assessor do senador. O senador enviará um torpedo ao seu primo executivo da montadora. O cêeô da montadora pedirá à sua secretária enviar o editorial por fax ao seu sobrinho advogado do banco. Um mundo de recomendações cruzadas, onde todos comentarão o retorno de volares tradicionais, como a conquista pelo esforço do trabalho, a meritocracia como condição sine qua non.


A maioria dos editoriais não lidos, e inclusive alguns lidos, terminarão na feira, nas mãos de embrulhadores de verduras, frutas e caixas de ovos. Na feira não existe meritocracia, os consumidores escolhem geralmente os produtos mais bonitos e visualmente mais apetecíveis, e não aqueles que se esforçaram mais pela oportunidade de estarem ali, naquela inerte luta por se destacar.

Terminada a feira, vendoredores e compradores voltarão prás suas respectivas casas, onde seguirão tentando se destacar na sociedade pela inércia de suas vidas cotidianas, desperdiçando inúmeras chances de melhorar de vida - chances essas que foram devidamente aproveitadas pelo irmão do banqueiro, pelo primo do senador e pelo sobrinho do cêeô da montadora, por exemplo.

Nenhum editorial de nenhum jornal brasileiro, pomposo ou não, reconhecerá a pertinencia da inércia da vida cotidiana, mesmo sabendo o destino feirante da maioria das páginas impressas em seus parques gráficos...

... o resto é silêncio!

outubro 21, 2009

Silva Não Quer Ser Racista

13 ruídos
Quando a novela das oito mostra uma personagem coadjuvante negra defendendo a tese de que não existe racismo no Brasil, cercada por protagonistas brancas, Silva desliga a televisão e reflete alguns segundos sobre o tema. Volta a ligá-la e aparece um reclame das Casas Bahia protagonizado por Pelé. Eis aí um grande exemplo de que esse país não é racista: aqui o Rei é negro, e vive, entre outras coisa, de propagandear eletrodomésticos.

Ou será que a televisão estaria tentando lhe convencer? Justo ele? Por que?

Silva nunca pensou seriamente sobre se ele mesmo é ou não racista, menos ainda respeito à toda a sociedade. Aquilo o incomodava, queria ter uma opinião própria e não tragar em seco a opinião da tevê.

Termina a opereta e começa o telejornal, onde não há negros apresentadores, alguns negros repórteres sim, e muitos negros protagonizando os noticiários policial e esportivo. O bloco político também não mostra negros. Silva tenta recordar se já tivemos alguma vez um candidato negro à presidência da república. Talvez sim, mas ele não se lembra, e novamente desliga a tevê.

Mas Silva é teimoso e liga de novo, justo no momento em que dava uma reportagem sobre as universidades brasileiras e cotas prá estudantes negros.

Seria outra coincidência, e a prova cabal de que o brasileiro não é racista? Ou mais uma manobra do aparalho prá fazer ele e toda a classe média engolir a teoria de um Brasil sem racismo?

Prá terminar aquela briga com sua consciência, Silva define prá si mesmo que o Brasil é grande e tem gente de todo o tipo, racista e não racistas, como em todos os países. Ponto! Mas onde estão uns e outros? Qual é a predominância nos centros de poder? Não interessa! Já está tarde, é hora de dormir!

Antes de desligar, uma vinheta anuncia o carnaval com várias mulatas desconhecidas e algumas poucas brancas que figuraram nas capas da Playboy. Quantas negras foram capa da Playboy? Silva não sabe, e prefere a impressão de que pelo menos na vinheta elas são maioria.

Cansado do tema, busca o controle prá desligar definitivamente o aparelho, quando o boletim futebolístico mostra uma estranha (ou teria sido oportunista?) matéria lembrando os casos de brigas entre jogadores brasileiros e argentinos, enfatizando termos como "macaquitos", "negros de mierda", e por aí vai.

Click e boa noite! Silva vai prá cama mais aliviado, pois no final ele não deve ser mesmo racista, o país onde ele vive tampouco. Racistas são os argentinos!

Lhe resta apenas uma singela preocupação.

Silva quer parar de acreditar na televisão, mas não consegue...

... o resto é silêncio!


outubro 16, 2009

Soledad Maradona

7 ruídos
Dizia ser Vicky, mas na verdade se chamava Soledad, um nome quase autobiográfico.

Seguia triste e feia como um trapo sujo, pelas mais escuras ruas de San Telmo... Piedras, Calvo, Defensa e logo San Juan em direção ao Paseo Colón, envolvida pelo mais fantasmagórico que Buenos Aires pode oferecer numa noite.

Ou talvez não eram ruas tão desertas, ela é que era velha demais praquilo que se prestava. Ela é que era o fantasma em meio à indiferença geral prá com uma senhora que tratava de se oferecer e seduzir como uma garotinha.

Numa noite com vitória albiceleste, contra o histórico rival uruguayo e valendo vaga na Copa, os machos argentinos geralmente saiam a comemorar na rua com mulheres como ela. Mas aqueles eram outros tempos, ou essa seleção já não entusiasma a líbido portenha como as de antigamente. Ou ambas coisas!

Mais uma noite perdida, mais uma noite a dizer que ela precisava mudar de vida, ou simplesmente deixar de viver.

Mais uma noite em que tudo o que ela queria era um mísero cliente. Apenas um furibundo idiota que quisesse algo, ainda que fosse violento e asqueroso, ou uma rápida felação, qualquer coisa que lhe rendesse uns pesos a mais na bolsa.

Ao chegar num bar próximo Parque Lezama, viu na televisão um Maradona louco de euforia desafogar suas mágoas contra os jornalistas que o criticavam: "¡... que me la sigan chupando!".

Pensou naquela ironia e decidiu voltar prá casa pela última vez...

... o resto é silêncio!

outubro 07, 2009

Andiamo Via

8 ruídos
Anos se passaram, e eis que surge a nova jornada.

Uma vez mais tentarei a sorte no mundo dos blogues.

O tempo, minha paciência e a daqueles que por ventura venham a provar a sorte desse lado da rede dirão se essa será a estampa definitiva.

Relutei em entrar nessa onda, uma vez mais.

As boas experiências de amigos e uma necessidade quase fisiológica me fizeram, por fim, dar esse passo adiante.

Um passo rumo a não sei bem onde.

Talvez por isso sinta que dessa vez pode dar certo.

Sonho com uma audiência além do meu círculo de amizades, mas ficarei mais que satisfeito com somente poder me cercar das palavras dos amigos que estão longe...

... e o resto é silêncio!
 

¡ o resto é silêncio ! Desenhado por HARV © 2009